O serralheiro Moisés Silva Gonçalves, 18 anos, viveu momentos de terror ao ser espancado por dois policiais militares não fardados e obrigado a entrar no porta-malas de um carro sem identificação em Lauro de Freitas, Região Metropolitana de Salvador. Parte da agressão, ocorrida na tarde da quarta-feira passada, foi registrada em vídeo por um vizinho do rapaz, usando um celular. “Foi um terror. Eu nasci de novo”, disse.
A abordagem ocorreu no condomínio Quinta da Glória, no bairro de Itinga, por volta das 15h, e deixou a vizinhança assustada. A assessoria da Polícia Militar informou que os PMs procuravam o traficante Marcelo Santana de Jesus, conhecido como Marmelo. “Ao chegarem ao local, os militares não encontraram o acusado. Em seguida, receberam uma denúncia anônima de que no mesmo prédio estava escondido um homem conhecido como Tchuk, acusado de cometer um homicídio no bairro da Ribeira”, diz a nota. Moisés, no entanto, não tem mandado de prisão em aberto e nem passagem pela polícia.
Ainda de acordo com a assessoria, ao abordarem o serralheiro, os policiais informaram que ele seria conduzido para a delegacia para averiguações, e que o rapaz resistiu.
(Foto: Gil Santos/CORREIO)
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VersãoA nota da PM não cita os espancamentos filmados pelos moradores do condomínio, o passeio que Moisés fez na mala do carro, nem especifica o que aconteceu no intervalo de duas horas entre a abordagem e o momento em que o serralheiro é deixado na delegacia.
“Com relação aos procedimentos técnicos adotados pela guarnição, Moisés Silva Gonçalves poderá se dirigir à Corregedoria da PM para formalizar a denúncia, onde os fatos serão analisados formalmente”, conclui o comunicado.
A versão é refutada pela vítima, seus familiares e vizinhos. Segundo Moisés, ele foi abordado dentro do prédio próximo ao que a família dele mora. Os dois policiais invadiram o prédio e arrastaram a vítima até a rua.
Depois das agressões na frente de parentes e moradores, foi obrigado a entrar no carro e levado até um matagal. Ainda segundo ele, foi torturado e, só então, deixado na delegacia, onde reencontrou a mãe. As horas de terror que os dois viveram estão nos relatos ao lado.
Colaborou Kivia Souza
Filmagem, truculência e tortura relembram Caso Geovane
O drama vivido pelo serralheiro Moisés Gonçalves, 18, em Itinga, seguiu roteiro semelhante à tragédia de um ano e meio atrás, em Salvador, com a diferença que o personagem principal não sobreviveu para contar a história.
O desaparecimento de Geovane Santana Mascarenhas, 22, foi publicado com exclusividade pelo CORREIO, após vir à tona um vídeo com o momento em que ele foi abordado por policiais, colocado em um veículo e levado para destino, inicialmente, desconhecido. Uma série de reportagens revelou o que aconteceu com Geovane e levou o MPE a denunciar 11 PMs por sequestro, roubo e homicídio qualificado (tortura). Na semana passada ocorreria a primeira audiência do caso, mas quatro réus não compareceram e ela acabou adiada para 17 de março.
ATO 1 - CAPTURA
'Eles pisaram e chutaram a minha cabeça'
'Eles pisaram e chutaram a minha cabeça'
Moisés Silva Gonçalves, 18, saiu de casa por volta das 8h no dia em que seria espancado. O dia começou com uma consulta médica para a filha, de 1 mês e oito dias, e terminou com o serralheiro algemado e surrado, dentro do porta-malas de um carro, por dois PMs. “Achei que eles iam me matar”, revelou ontem, quando a assessoria da PM admitiu que os dois agressores eram policiais do setor de Inteligência da 81ª Companhia Independente da Polícia Militar (CIPM/Itinga).
“Eu saí de casa para levar minha filha para tomar vacina. Chegamos no posto de saúde de Itapuã e não tinha a medicação. Fomos até o de São Cristóvão, onde ela tomou a vacina, e depois voltamos para casa”, relatou.
Naquela tarde, por volta das 15h, resolveu visitar a avó – na verdade, uma vizinha idosa a quem ele chama de vó. A mulher mora no prédio ao lado do edifício onde vive a família Gonçalves, no condomínio Quinta da Glória, em Itinga.
O serralheiro deixou a esposa com a filha, deitadas na cama, o sobrinho de 1 ano brincando e a mãe lavando roupa, quando bateu a porta e desceu as escadas. “Quando eu saí do nosso prédio estava tudo normal. Não vi nada de diferente. Passei pelo portão do outro prédio e quando comecei a subir as escadas ouvi o barulho das botas, das pisadas. Olhei para trás e dois homens já estavam perto e um deles me puxou pela gola da camisa, por trás”, contou Moisés.
Em seguida, os homens arrastaram o serralheiro para fora do prédio e começaram a fazer perguntas. Moisés tentou se soltar dos agressores e levou um soco no rosto. “Eles perguntavam por um traficante e quando eu disse que não sabia, que não era envolvido com essas coisas, um deles me deu um soco no rosto e eu ‘arreei’. Aí, eles me forçaram a ficar de bruços, pisaram e chutaram minha cabeça”, disse.
A sessão de espancamento durou mais alguns minutos, apesar das testemunhas que nesse momento se aglomeravam nas janelas e portarias dos prédios em volta. Moisés foi algemado com as mãos para trás e obrigado a caminhar alguns metros até um carro Voyage branco, estacionado na frente do prédio.
O serralheiro contou que nesse momento já estava apavorado, mas que o desespero aumentou quando se viu obrigado a entrar na mala do carro. “Eu só pensava que eles iriam me matar. Fiquei desesperado e comecei a gritar por minha mãe”, lembrou.
Esses momentos foram registrados por um dos vizinhos através de um celular. Os PMs dão socos e tapas na cabeça de Moisés e usam uma barra de ferro para forçar o jovem a entrar no porta-malas. Mesmo depois que o serralheiro já está no veículo, é possível ver nas imagens o momento em que um dos homens usa uma barra de ferro para dar um golpe nas costelas do rapaz.
ATO 2 - PROCURA
'Pedi pra eles não matarem meu filho'
'Pedi pra eles não matarem meu filho'
Dona Jaci, como é conhecida a mãe de Moisés, estava lavando roupa na área de serviço do apartamento onde a família mora, quando ouviu os gritos dos vizinhos. “Eles começaram a gritar: Jaci, Jaci! Corre, desce que eles vão matar seu filho. Eu aí saí correndo para ver o que estava acontecendo”, relembrou a mulher, pega de surpresa.
Ela desceu as escadas seguida pela nora, uma adolescente de 16 anos, que estava se recuperando de uma cesariana feita há um mês. Na saída do prédio, mãe e nora viram quando Moisés era espancado dentro do porta-malas e se desesperaram.
“A gente correu na direção dele, mas aí o policial sacou uma arma e apontou para a gente. Eu pedi pra eles não matarem meu filho”, contou Jaci. Ela esperou o carro sair e correu para a delegacia.
No porta-malas, Moisés dividiu espaço com barras de ferro, pés-de-cabra e alicates. Ele conseguiu ver por uma brecha quando o veículo entrou no estacionamento da 27ª Delegacia (Itinga). O carro parou, ele ouviu o barulho da porta batendo e o veículo voltou a trepidar estrada afora.
A segunda parada foi em um lugar silencioso. Mais uma vez a porta abriu, alguém desceu e ele percebeu a fechadura abrindo. Era um matagal com um caminho de barro. Moisés foi retirado da mala e teve início a segunda etapa: a tortura.
ATO 3 - TORTURA
'Jogaram álcool na minha cabeça'
'Jogaram álcool na minha cabeça'
No matagal, os PMs voltaram a usar a barra de ferro para agredir e deram socos e chutes, segundo relato de Moisés, que revela o momento mais aterrorizante: “Teve uma hora em que eles jogaram álcool na minha cabeça e disseram que iam me matar. Foi um terror. Eu nasci de novo”.
A segunda sessão de espancamento durou mais que a primeira. Depois das agressões, Moisés foi novamente colocado no carro e levado até um estacionamento, próximo ao fim de linha de Itinga.
“Eles tiraram as algemas e me deram uma garrafa com água, para lavar o sangue, porque eu estava todo machucado. Colocaram as algemas novamente, mas dessa vez com as mãos para frente, e fui no banco traseiro”, citou.
Enquanto Moisés estava no matagal, Jaciara aguardava por notícias do filho na delegacia. “Pensei que ele estava morto. Só recuperei minhas forças quando vi meu filho descendo do carro, todo ferido e machucado”, disse.
Na delegacia, o alívio: Moisés abraçou a mãe, fez o registro da ocorrência e voltou para casa. Ontem, ainda não havia sido feito exame de corpo delito, nem registro do caso na Corregedoria da PM. A família teme represálias e pensa em se mudar. “Não tenho nada contra a polícia, mas eles precisam trabalhar direito. Sou trabalhador, mas fui tratado como um bandido”, concluiu.
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