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Em tempos de intolerância, amar é um ato revolucionário: conheça casais formados por gente de religiões diferentes
Nem todo muçulmano é terrorista do Estado Islâmico, assim como nem todo evangélico chuta estátua de santo católico ou difama adeptos do candomblé. Se não focarmos nas minorias extremamente radicais de cada religião, dá para fazer mais pontes do que muros. E isso pode ir além de amizades.
Para saber o que  as doutrinas orientam sobre namoro e casamento de pessoas com crenças diferentes, conversamos com seis líderes religiosos: um padre, um pastor, um pai de santo, um rabino, um sheik e um médium. Como o coração desconhece muita coisa, inclusive recomendações de sacerdotes e livros sagrados, fomos atrás de histórias reais. Três casais religiosamente improváveis toparam compartilhar conosco suas histórias de amor, tolerância e superação. Confira.
Matheus e Thais
O assessor parlamentar Matheus Maciel, do candomblé, e a jornalista Thais Mascarenhas, evangélica: vencendo preconceitos das famílias (fotos de Angeluci Figueiredo)
Ela é evangélica. Ele, do candomblé. Ela frequenta a Igreja Evangélica Vida Nova, pentecostal. Ele, o terreiro Ilê Asé Ondô Nire, de nação Ketu. Antes de namorar com o assessor parlamentar Matheus Maciel, 22, a jornalista Thais Mascarenhas, 22, achava que todo filho de santo comia dendê.
Seu amado, por exemplo, nem chega perto do azeite, pois é filho de Oxalá. “Descobri quando, na paquera no WhatsApp, perguntei o que ele gostava de comer”, conta a moça. Outra surpresa para ela foi o resguardo. “Há períodos em que ficamos sem beijar na boca, só de mãos dadas”, afirma Thais.

O rapaz conhecia mais do Cristianismo pela família, que tem até tio pastor. “Temendo o preconceito de meus pais, não comentei da religião dele quando os apresentei. Não adiantou. Minha mãe fuçou o facebook dele, viu e demonstrou preocupação”, diz Thais.
Do outro lado, a notícia não poderia ter sido melhor: “minha família viu a chance de eu me salvar desse mundo que eles acham ‘de satanás’”, explica, aos risos, Matheus. Para ele, a fala é fruto de ignorância. A mãe de santo sabe da relação e está de boa. O pastor nem sonha. Da parte dos pombinhos não há problema agora. Nem no futuro. “As coisas têm melhorado. A tendência é essa, pois meus pais vão vendo o quanto a relação está sendo boa”, conta a garota.
Lea e Luiz
Os arquitetos Lea Ester e Luiz Roberto: casados há 38 anos, ela é judia, ele católico e ogã de candomblé
“Transgressão é o que muda o mundo. As coisas só se desenvolvem quando a gente transgride”, afirma a arquiteta Lea Ester Sandes, 65. E ela diz com propriedade. Há 38 anos, a gaúcha desafiou os pais e a religião, o judaísmo, para casar com o amor de sua vida, o também arquiteto Luiz Roberto Sobral, 65.
O porquê? Ele não era judeu. “Minha família tinha grande preconceito com um jovem católico, baiano e de cabelo crespo”, diz Lea. Do lado de lá, a resistência também existia: “A família dele não sabia absolutamente nada sobre o judaísmo” relembra Lea.
O casal se conheceu há 43 anos, num congresso de estudantes de arquitetura. “Namoramos à distância por cinco anos e moramos juntos em Londres, onde fizemos especialização, por um. Casamos lá e quando acabou o curso, viemos para Salvador”, conta Luiz.

Em casa, candelabros e estrelas de David convivem com santos e Nossas Senhoras. “Comemoramos todos os rituais judaicos. Nossos quatro filhos - David, Ari, Rafael e Ida - foram educados assim e optaram pelo judaísmo”, afirma Lea.
Um ingrediente surgido no meio do caminho bota ainda mais cor na mistura: há alguns anos, Luiz virou ogã de um terreiro de candomblé. “Decidi me iniciar quando nasceu um Irôko, árvore que é orixá, no quintal de minha casa de praia em Jauá”, conta Luiz.
Como conciliar diferenças por tanto tempo? “Mais importante que religião é o temperamento. O resto é amor”, indica Lea, que arremata: “transgredi os rituais, assumi os riscos e hoje posso dizer que valeu a pena”.
Osman e Roseli
Osman Santos é muçulmano e Roseli Ferreira, evangélica: casal se conheceu no trabalho há 11 anos e está junto há 10
Sabe aquela história de muçulmano ter várias esposas? Se depender de Roseli Ferreira, 41, o marido dela, Osman Santos, 50, vai ficar com uma só. “Aqui não tem poligamia”, afirma a secretária. Ele concorda: “o Alcorão estabelece regras de conduta, financeiras e sexuais tão rígidas para quem quer ter mais de uma mulher que acaba sendo extremamente complicado!”, justifica.
Eles se conheceram no trabalho há 11 anos e estão juntos há 10. Roseli, que é batista e nunca havia namorado com um muçulmano, tinha restrições no começo. Mas depois de um ano de namoro, aceitou o convite para conhecer o Centro Islâmico da Bahia e se espantou.

“Eu tinha a ideia errada de que, no Islã, a mulher era prisioneira e empregada do homem. Vi que isso não existe. Logo no primeiro jantar, nós fomos servidas e comemos antes deles. Me sinto respeitada, mesmo sendo de outra religião”, conta Roseli.
O filho deles carrega a simbiose religiosa no nome: Hassan  Rafael. Um neto do profeta Maomé e um arcanjo. O garoto acompanha os pais tanto na Igreja quanto no Centro Islâmico. “Ele vai ser o que quiser e nós respeitaremos, inclusive outros credos”, diz Roseli.
Ele concorda: “o Alcorão proibe conversão forçada e, pra mim, quem condena religião alheia tá se botando no lugar de Deus”, opina Osman. Ele participa do Natal da família da esposa e diz se divertir muito: “adoro comer, dar risada e conversar”.
O QUE DIZEM OS OUTROS SACERDOTES
O padre Luís Simões, pároco da Igreja da Vitória (Foto: Marina Silva)
Catolicismo
“O amor une a todos e quem ama supera diferenças: esse é o princípio fundamental que inspira a igreja católica a permitir celebrações de casamentos de pessoas com religiões diferentes”, afirma o padre Luís Simões, da paróquia da Vitória. O único detalhe, segundo o religioso, é o respeito à educação católica dos filhos.
O sheik Abdul Hameed Ahmad (Foto: Marina Silva)
Islã
Muçulmanos podem casar com mulheres de fora do Islã, desde que judias ou cristãs. “O Islã é cheio de regras. Daí a sugestão de moça com a fé igual ou que tenha a mesma raiz”, diz o sheik Abdul Hameed Ahmad, do Centro Islâmico da Bahia. A concessão não vale para as muçulmanas: elas só podem casar com homens do Islã.
O médium e fundador do centro espírita Cavaleiros da Luz, José Medrado (Foto: Angeluci Figueiredo)
Espiritismo
Para o médium e fundador do centro espírita Cavaleiros da Luz, José Medrado, não existe impedimento ao casamento interreligioso para quem crê no espiritismo. “Costuma funcionar muito bem quando um não fica tentando convencer o outro”, afirma Medrado.
OUTRAS FONTES
A comédia “Que Mal Eu Fiz ao Meu Bom Deus?” faz humor com diferenças culturais (Fotos: Divulgação)
Na comédia Que Mal Eu Fiz ao Meu Bom Deus? (2015), um casal francês católico e conservador tem quatro filhas e um bocado de preconceito. As três mais velhas se casaram com homens de diferentes nacionalidades e religiões: um judeu, um árabe muçulmano e um chinês taoísta. Quando a caçula anuncia que vai casar com um homem católico, os pais ficam nas nuvens e planejam uma grande reunião de família.  Mas as coisas não são bem como esperado.
Sobre o Islã: livro trata de semelhanças e diferenças entre Islã, Cristianismo e Judaísmo
A Afinidade entre Muçulmanos, Judeus e Cristãos e as Origens do Terrorismo (2007), do jornalista Ali Kamel, visa mostrar que o Islã não é uma religião de terroristas e que facções radicais como o Estado Islâmico são uma pequena minoria.
Para provar, o autor recorre a comparações com o cristianismo e o judaísmo, mostrando tudo de comum que há entre as três principais crenças monoteístas do mundo. A linguagem é simples e acessível.

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